Sabe aquele tipo de livro que você termina de ler e precisa de um tempo em silêncio, apenas para digerir tudo? “Tornar-se Negro”, da psicanalista Neusa Santos Souza, é exatamente assim. Não é uma leitura para passar o tempo; é uma experiência, um mergulho em águas profundas que muitos de nós nem sabíamos que existiam. Quando decidi ler, já tinha ouvido falar muito sobre sua importância, mas nada me preparou para o impacto real de suas palavras. É uma obra que conversa diretamente com a alma, especialmente a alma negra, mas que deveria ser lida por todos que desejam compreender a estrutura do racismo no Brasil para além do óbvio.
Para quem é negro, a leitura pode ser um misto de dor e alívio. Dor por ver em palavras sentimentos complexos e muitas vezes solitários que carregamos. Alívio por finalmente encontrar um nome, uma explicação e, acima de tudo, a certeza de não estarmos sozinhos nessa jornada. É um livro que acolhe enquanto confronta. Para pessoas brancas, é uma oportunidade única de entender a dimensão psíquica da discriminação racial, algo que vai muito além de estatísticas e discursos. É sobre o custo emocional que uma pessoa negra paga para simplesmente existir em uma sociedade que, por séculos, lhe disse que ela não deveria ser como é.
O que diz o fabricante?
Publicado originalmente em 1983, “Tornar-se Negro” é apresentado como uma obra pioneira que investiga, sob a ótica da psicanálise, as vicissitudes da identidade do negro brasileiro. A autora, Neusa Santos Souza, propõe-se a analisar como a ascensão social impõe ao negro a necessidade de negar sua identidade e seus traços, em um doloroso processo de “branqueamento” psíquico. O livro promete desvendar os efeitos do racismo na formação do sujeito, mostrando como a negritude, em uma sociedade racista, pode se tornar um sintoma, uma fonte de angústia e sofrimento.
- Analisa o impacto do racismo na saúde mental e na autoestima da população negra.
- Utiliza conceitos da psicanálise para explicar o conflito interno vivido por pessoas negras que buscam ascensão social.
- Discute a ideia do “negro de alma branca” como um ideal inatingível e alienante.
- Explora a jornada de “tornar-se negro” como um processo ativo de afirmação e construção de uma identidade positiva.
- Apresenta estudos de caso que ilustram de forma prática as teorias discutidas.
- Oferece uma base teórica fundamental para psicólogos, sociólogos, assistentes sociais e todos os interessados nas relações raciais.
Minha Experiência de Leitura: Um Mergulho Profundo e Necessário
Decidi “testar” este livro não como um crítico literário, mas como alguém que busca respostas. Separei um tempo específico do meu dia, longe de distrações, com um caderno ao lado, porque senti que precisaria anotar. E eu estava certo. A leitura não é fluida no sentido de ser rápida. Pelo contrário. A cada poucas páginas, eu precisava parar. Respirar. Refletir. Muitas vezes, um único parágrafo era o suficiente para me transportar para memórias da infância, para situações no trabalho, para conversas que tive e que, na época, não soube entender completamente.
O que Neusa faz com maestria é dar nome ao indizível. Aquela sensação de inadequação, o esforço constante para provar seu valor, a autovigilância para não parecer “agressivo” demais ou “sensível” demais. Tudo isso, que para muitos de nós é vivido como um problema pessoal, uma falha de caráter, ela expõe como uma consequência direta de uma estrutura social doente. Ler isso é libertador. É como se um peso que você nem sabia que carregava fosse, senão retirado, pelo menos identificado. E identificar o peso é o primeiro passo para aprender a lidar com ele.
Eu li em um ambiente silencioso, mas a minha mente estava barulhenta. Lembrei-me de quando alisava o cabelo, não por estética, mas por acreditar que seria mais “apresentável”. Lembrei-me de modular minha voz para parecer menos “imponente”. São detalhes que a leitura de “Tornar-se Negro” traz à tona. O livro funciona como um espelho que reflete não apenas nossa imagem, mas as rachaduras e os remendos que fomos obrigados a fazer ao longo da vida para nos encaixarmos.
Os Pilares do Livro: Desvendando a Análise de Neusa Santos Souza
Para entender a profundidade desta obra, é útil olhar para alguns de seus conceitos centrais. Neusa não se limita a denunciar o racismo; ela disseca seu mecanismo de funcionamento na psique humana. Fiz questão de reler alguns capítulos para absorver melhor essas ideias, e vou tentar explicá-las de forma simples, como entendi.
A “Máscara Branca” e o Custo da Ascensão
Um dos pontos mais fortes da análise é a discussão sobre o que acontece quando uma pessoa negra ascende socialmente. A sociedade vende a ideia de que o sucesso apaga a cor. Mas Neusa mostra que é justamente o contrário. Para ser aceito em espaços de poder, majoritariamente brancos, o negro é sutilmente (e às vezes nem tão sutilmente) coagido a adotar os valores, os gestos e a estética da branquitude. É o que Frantz Fanon chamou de “peles negras, máscaras brancas”.
Ela descreve esse processo como extremamente violento, pois exige uma negação de si mesmo. É preciso anular a própria história, a cultura dos seus ancestrais, o jeito de falar, de rir, de ser. O custo disso é altíssimo: solidão, angústia, a sensação de não pertencer a lugar nenhum. Você não é mais visto como parte da sua comunidade de origem, mas também nunca é plenamente aceito no novo ambiente. Você se torna um estrangeiro em sua própria pele. Essa parte do livro foi particularmente difícil de ler, pois ecoa em muitas histórias que conhecemos ou vivemos.
A Dor que Não Tem Nome: O Racismo como Trauma
Outro pilar da obra é tratar o racismo não como um evento isolado, um insulto ou uma porta fechada, mas como um trauma contínuo. É uma violência que se repete diariamente, nas pequenas e grandes coisas. É o olhar desconfiado no shopping, a “brincadeira” de um colega, a ausência de pessoas como você na mídia, nos cargos de liderança. Neusa, com sua bagagem da psicanálise, nos mostra como o corpo e a mente registram essas microagressões.
Isso gera um estado de alerta constante, um estresse crônico que afeta a saúde mental. Depressão, ansiedade e baixa autoestima não surgem do nada. Muitas vezes, são respostas diretas a um ambiente que constantemente invalida sua existência. Ao ler isso, entendi por que tantas vezes me senti exausto sem um motivo aparente. A luta para simplesmente ser é, em si, uma batalha desgastante.
O Ato de “Tornar-se”: Uma Jornada de Conquista
Apesar da análise dura e dolorosa, o livro não é pessimista. O título já nos dá a pista. “Tornar-se Negro” não é sobre uma condição biológica, mas sobre um processo político, psicológico e afetivo. É a jornada de sair da negação e do sofrimento para abraçar a negritude como potência. É um ato de rebeldia e de amor-próprio.
Tornar-se negro é desconstruir os ideais de beleza impostos, é resgatar sua história, é se aquilombar, é entender que o problema não está em você, mas na estrutura racista. É um processo ativo, uma escolha diária de se afirmar. Para mim, essa foi a mensagem mais poderosa do livro. Ele não oferece um final feliz, mas uma ferramenta de luta. A cura não está em se adaptar ao mundo, mas em se fortalecer para transformá-lo, começando por si mesmo.
O que dizem os compradores?
Ao conversar com outras pessoas que leram e pesquisar opiniões, percebi que minha experiência não foi única. A palavra que mais aparece para descrever o livro é “necessário”. Muitos leitores relatam que a obra funcionou como um divisor de águas em suas vidas, ajudando a organizar pensamentos e sentimentos que antes eram confusos. É comum encontrar relatos de pessoas que se sentiram, pela primeira vez, verdadeiramente compreendidas em suas dores.
Li “Tornar-se Negro” na universidade e foi um soco no estômago, no melhor sentido possível. Me ajudou a nomear sentimentos que eu carregava a vida inteira sem entender de onde vinham. É um livro que todo brasileiro deveria ler para entender o país em que vive.
Juliana Costa
É uma leitura densa, não é para ler na praia. Mas cada parágrafo vale a pena. A Neusa Santos Souza conseguiu colocar em palavras a dor e a beleza de ser negro no Brasil. Me senti abraçado e fortalecido ao final. Recomendo com toda a certeza, mas vá com o coração aberto.
Carlos Silva
Pontos de atenção
Seria desonesto dizer que a leitura é fácil. Ela exige dedicação. O principal ponto de atenção, mencionado por alguns leitores, é a linguagem. Por ser uma obra acadêmica, fundamentada na psicanálise, Neusa utiliza termos técnicos que podem ser um desafio para quem não tem familiaridade com a área. Conceitos como “ego”, “superego” e “identificação” são constantes. No entanto, o esforço para superar essa barreira inicial é imensamente recompensador. Não se trata de um jargão vazio; cada termo é uma ferramenta precisa para descrever um fenômeno complexo.
- A linguagem psicanalítica pode exigir um ritmo de leitura mais lento e, em alguns momentos, a pesquisa de certos termos para uma compreensão total.
- Por ter sido escrito nos anos 80, alguns exemplos e referências culturais podem parecer um pouco distantes da realidade atual, mas a análise central sobre a estrutura do racismo permanece perfeitamente válida e chocantemente atual.
No fim das contas, esses pontos não diminuem em nada o valor da obra. Pelo contrário, eles reforçam seu caráter de estudo sério e aprofundado. A complexidade da linguagem reflete a complexidade do tema. Ao ponderar sobre o que a autora propõe, o que outros leitores sentiram e as pequenas barreiras que o livro apresenta, a conclusão é clara. Os benefícios de se dedicar a esta leitura superam, e muito, qualquer dificuldade. É um investimento intelectual e emocional com retorno garantido, na forma de autoconhecimento, consciência crítica e, principalmente, fortalecimento.
Perguntas frequentes
Para quem o livro Tornar-se Negro é recomendado?
Ele é fundamental para pessoas negras em sua jornada de construção de identidade. Também é essencial para estudantes e profissionais de psicologia, sociologia, serviço social, história e áreas afins. Além disso, é uma leitura crucial para pessoas brancas que desejam ser aliadas na luta antirracista e compreender a dimensão psicológica do racismo sistêmico.
Preciso entender de psicanálise para ler Tornar-se Negro?
Não é um pré-requisito obrigatório, mas ter algumas noções básicas pode facilitar a leitura. A autora escreve de forma clara, mas a linguagem é acadêmica e específica da área. A dica é ler com calma, sem pressa, e não hesitar em pesquisar um ou outro conceito. O esforço é recompensado com insights profundos que só a abordagem psicanalítica pode oferecer.
O livro Tornar-se Negro ainda é relevante hoje?
Absolutamente. Embora tenha sido escrito em 1983, sua análise sobre os impactos psíquicos do racismo na sociedade brasileira é atemporal. Infelizmente, as estruturas que Neusa Santos Souza descreveu permanecem ativas. Por isso, o livro não apenas continua relevante, como se torna cada vez mais necessário para entender o Brasil contemporâneo.
É uma leitura emocionalmente pesada?
Sim, pode ser. O livro aborda temas como dor, negação, autoestima e trauma de uma forma muito direta e profunda. Para pessoas negras, pode despertar memórias e sentimentos difíceis. É importante ler no seu próprio ritmo, respeitando seus limites e, se possível, ter com quem conversar sobre as reflexões que a leitura proporciona.